Escondida entre as serras do concelho da Pampilhosa da Serra, está uma pequena aldeia que teima em resistir ao tempo, a minha aldeia do coração.
Cada vez com menos gente, cada vez mais silenciosa… Este ano, essa ausência foi notória e fez-se sentir ainda mais. Faltavam rostos, faltavam vozes, faltava aquela agitação que, noutros tempos, transformava as ruas numa espécie de carnaval serrano. E confesso que fiquei com o coração apertado e uma tristeza enorme...😔
Vêm-me à memória lembranças de quando era criança e a aldeia fervilhava de vida no mês de agosto. Carros para cima e para baixo, gargalhadas que ecoavam dia e noite dentro de gente que já partiu, mas que continua viva nas memórias de quem cá ficou.
Nos dias que antecediam a festa anual, havia sempre aqueles que vinham chamar a minha avó para fazer a filhó espichada — tinha uma técnica que ninguém conseguia igualar! Fazia as melhores filhoses da aldeia! Sempre adorei filhoses e os Três também gostam! Ainda bem que a minha mãe lhe apanhou a técnica e conseguiu até superar as da minha avó!
Por tanto gostar, a minha avó chegou mesmo a comprar uma fritadeira gigante para fazer a maior filhó espichada de sempre… acho que devia ter ficado registado no Guinness! 😅
E a água da casa dos meus avós? Um furo mágico com água fresquinha, onde muitos com os cântaros vinham buscar sem pedir licença. Era mesmo assim! Confesso que, muitas vezes, assustava-me com alguém a entrar inesperadamente, mas isso fazia parte do charme do sítio!
O meu avô, que durante anos foi presidente da junta de freguesia, era dos poucos que tinha telefone em casa. Adorava quando interrompiam o almoço ou o jantar para uma chamada urgente — nada como misturar a chanfana típica da zona com uma conversa particular ou assuntos da freguesia!
Ah, a chanfana! Também dias antes da festa, o meu pai e o meu avô iam comprar a cabra. Gostava de ir com eles só para dar um passeio pelas serras. Isto quando os meus avós já não tinham criação, porque quando tinham era o próprio do meu avô que preparava a cabra. Por estes dias, o forno a lenha dos meus avós estava sempre a trabalhar, assando caçarolas de chanfanas que iam parar a muitas mesas da aldeia. Cheirinho que nos deixava salivar durante horas!
Quando eu era pequena, o dia da festa era um frenesim. A minha mãe comprava-me sempre um vestido novo — todos se vestiam a rigor, como se fossem para uma cerimónia real! Eu gostava do vestido, mas exibi-lo na procissão era… digamos, um castigo! E os foguetes que estalavam no céu e eu ficava aterrorizada! Odiava acordar com aquele barulho que anunciava às aldeias vizinhas que a nossa terra estava em festa.
De manhã cedo, as cornetas tocavam e, pouco depois chegava a filarmónica que percorria a aldeia de casa em casa a recolher ajuda para a festa. Durante o almoço, os músicos eram convidados a sentarem-se à mesma mesa das famílias, em casas pequeninas, partilhando a chanfana da aldeia e umas boas gargalhadas, num ambiente acolhedor.
À tarde, a missa e a procissão em honra de Nossa Senhora das Neves, a nossa padroeira, era um momento grandioso. Três andores percorriam a aldeia, acompanhados por centenas de pessoas com promessas a cumprir. Um momento de fé e devoção mas também de encontros e reencontros.
Já à noite, durante anos, o mesmo duo musical animava a aldeia. Deixaram o legado em descendentes da aldeia que já tinham o gosto musical das concertinas, incutido pelos seus avós.
Outros, também tomaram o gosto pela concertina e hoje é graças a eles que por vezes ainda ecoa pelas ruas o som de uma concertina que alegra a aldeia.
E a tradição da alvorada? Os mais resistentes da noite iam de casa em casa despertar quem ainda dormia. Dizem que, em tempos, até se entrava pelos telhados. Imaginem o susto de acordar com alguém a espreitar do teto! 😂
Anos atrás, poucos, tentou-se recuperar a tradição, quando ainda fazia sentido para muitos vir à festa da aldeia, passar por esta altura uma temporada de férias!
Mas a vida corre e tudo muda. Fomos perdendo pessoas da maneira mais triste, aquela que é para sempre... Ficamos tristes, com mágoas grandes, feridas abertas...
Hoje somos um pequeno grupo de pessoas que se veem pela altura da Páscoa, e pela altura da festa anual, a qual vamos tentando manter com muito esforço... Somos quase sempre os mesmos...
Este ano foi sem dúvida visível os que nutrem amor pelas raízes e que honram as pessoas que perdemos, simplesmente estando presentes, apesar da dor.
Temos sido poucos, é verdade. A aldeia foi-se esvaziando, ficando cada vez mais dependente dos regressos sazonais.
Este ano fomos poucos, sim. Mas fizemos a festa. Porque a festa é mais do que música e foguetes. É a ligação à padroeira, é a partilha entre vizinhos e família, é a celebração da própria aldeia, é o convívio.
E enquanto houver quem acenda uma vela, quem traga um andor, quem toque uma concertina, quem vista o melhor traje para honrar a tradição, a aldeia continuará a ter vida. Pouca, talvez, mas genuína.
E no fim chego à conclusão que até de ouvir os foguetes, sinto falta!
💗
Muito bonito sinto o mesmo na festa da minha terra, embora nos ultimos anos estejam a melhorar, Venda do Pinheiro próximo fim de semana. Vamos?
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